História d'A Voz do Operário A Sociedade de Instrução e Beneficência A Voz do Operário nasce num contexto histórico que, em grande parte, constitui a causa que preside à sua fundação. Um movimento operário em ascensão, num tempo marcado pela luta contra a monarquia, em que republicanos e socialistas obtêm o apoio significativo das classes laboriosas e cujos ideais não só encontram eco junto destas como as mobilizam para a transformação e a mudança. Em Portugal, a indústria tabaqueira é, no terceiro quartel do século XIX e segundo o historiador Armando de Castro, aquela que gera o maior volume de negócios. Geradora de lucros volumosos, a indústria dos tabacos despertava o interesse de investidores e, em pouco mais de uma década, o crescimento industrial acelerado dá origem a quase uma vintena de fábricas que empregam perto de cinco mil operários, na sua grande maioria tarefeiros e jornaleiros. Ao aumento da produção não está porém associado o aumento do consumo e, em 1879, uma dura crise atinge a indústria tabaqueira, originando um forte desemprego e agravando as já difíceis condições de vida dos operários da manufatura do tabaco. Sucedem-se as greves e as manifestações, das quais os jornais da época vão dando conta, embora quase sempre, na perspetiva patronal. Seria, aliás, a recusa de um título de então em publicar uma notícia sobre as condições de vida dos operários tabaqueiros que estaria na origem da criação do jornal A Voz do Operário. Custódio Gomes, operário tabaqueiro, indignado com a recusa de publicação da referida notícia, segundo a tradição, teria afirmado que “soubesse eu escrever que não estava com demoras. Já há muito que tínhamos um jornal. Bem ou mal, o que lá se disser é o que é verdade. Amanhã reúne a nossa Associação, e hei-de propor que se publique um periódico, que nos defenda a todos, e mesmo aos companheiros de outras classes”. A proposta foi feita e aceite. Com sede no Beco do Froes (hoje rua Norberto de Araújo), ao Menino de Deus, em Lisboa, nasceu, a 11 de Outubro de 1879, o jornal A Voz do Operário pela mão de um outro operário tabaqueiro, Custódio Braz Pacheco. A exigência financeira que implicava a manutenção do jornal levou a que os operários tabaqueiros procurassem formas de sobrevivência para o projeto. É assim que, a 13 de fevereiro de 1883, nasce a Sociedade Cooperativa A Voz do Operário em cujos estatutos se escreveu ser objeto da Sociedade “sustentar a publicação do periódicoA Voz do Operário, órgão dos manipuladores de tabaco, desligado de qualquer partido ou grupo político”; “estudar o modo de resolver o grandioso problema do trabalho, procurando por todos os meios legais melhorar as condições deste, debaixo dos pontos de vista económico, moral e higiénico”; “estabelecer escolas, gabinete de leitura, caixa económica e tudo quanto, em harmonia com a índole das sociedades desta natureza, e com as circunstâncias do cofre, possa concorrer para a instrução e bem-estar da classe trabalhadora em geral e dos sócios em particular”. Para tanto, os 316 sócios da altura comprometiam-se a pagar uma quota semanal de vinte réis, quantia que retiravam dos seus humildes salários. Por solicitação dos associados, em julho de 1883, a atividade da Sociedade foi alargada à assistência funerária, correspondendo a uma necessidade da classe que se via confrontada com o exorbitante preço dos funerais. “Um jornal e uma carreta funerária, assim começa A Voz do Operário”, escreveu Fernando Piteira Santos. Em julho de 1887, A Voz do Operário abandonou o Beco do Froes e mudou-se para a Calçada de São Vicente. Contava então com 1.114 sócios, sendo que nem todos eram operários tabaqueiros, o que obrigou a uma revisão dos estatutos, no ano de 1889, que viriam a ser aprovados pelas autoridades no ano seguinte, convertendo-se a Sociedade Cooperativa em Sociedade de Instrução e Beneficência A Voz do Operário. Corria o ano de 1891, quando foi designada a primeira Comissão Escolar que preparou o arranque da primeira escola, em outubro desse ano, num novo edifício também na Calçada de São Vicente. Mas a Sociedade continuava a desenvolver-se e, em 1906, foi feita a proposta ao Governo de cedência de uma parcela de terreno da designada Cerca da Mónicas para a construção de um edifício de raiz onde pudessem ser instaladas as escolas e os serviços de A Voz do Operário. Foi João Franco, chefe de um Governo contestado e considerado ditatorial que, por decreto de 29 de maio de 1907, concedeu o espaço pretendido. Em outubro de 1912, com a presença do próprio Presidente da República, Manuel de Arriaga, foi lançada a primeira pedra de construção da sede atual de A Voz do Operário (sita na Rua Voz do Operário, à Graça, em Lisboa), tendo as obras ficado concluídas em 1932. Nesta altura, a Sociedade tinha cerca de 70 mil sócios e era já o mais importante núcleo de instrução primária da cidade de Lisboa, com escolas a funcionarem também na periferia. Em 1938, as escolas de A Voz do Operário eram frequentadas por 4.200 alunos, na grande maioria filhos de operários. Durante a Primeira República, A Voz do Operário conheceu um desenvolvimento ímpar. A vertente educacional passou a ocupar um lugar de destaque entre as suas atividades, enquanto prosseguia a publicação do jornal e a ação mutualista que se estendeu também ao apoio aos mais desfavorecidos, nomeadamente no fornecimento de refeições. Inaugurou-se na sede um balneário público para servir a população da zona e incrementaram-se os cursos de formação profissional, em particular, para as filhas dos trabalhadores, com os cursos de costura a registarem uma elevada frequência. Manteve-se a assistência funerária e inaugurou-se a biblioteca. É o período áureo da Sociedade que contava com inúmeros beneméritos entre os seus associados e viu o seu património aumentar fruto de muitos legados, quer imóveis quer móveis. É precisamente a vertente educacional, bem como, a ligação à Instituição de eminentes figuras da cultura portuguesa que lhe permite sobreviver durante a ditadura do Estado Novo. Fundada pelos operários da indústria tabaqueira e assumindo-se desde sempre como organização de classe, A Voz do Operário viveu, no período da ditadura fascista, grandes dificuldades com a censura a amputar o jornal daquilo que o distinguia dos demais, as atividades culturais e serem cerceadas e a própria educação a ser sujeita às imposições do Estado Novo, esforçando-se mesmo assim por contribuir para a formação integral dos seus alunos. Nem por isso, no entanto, a Instituição deixou de prosseguir os seus desígnios, embora muitas das dificuldades só tenham conseguido ser ultrapassadas com o 25 de Abril de 1974. Então, A Voz do Operário como que renasceu e o seu método pegadógico, o do Movimento da Escola Moderna, impôs-se no panorama do ensino nacional. Método que ainda hoje é seguido e que alia à aprendizagem das competências e saberes, a formação para a cidadania ativa, democrática e solidária. Com a Revolução dos Cravos, a cultura voltou a preencher os espaços da sede, através de espetáculos musicais, cinema, teatro, exposições de artes plásticas e dança. Incrementou-se a prática desportiva e alargou-se a ação social aos idosos, com a inauguração de um centro de convívio e, mais tarde, com o apoio domiciliário a idosos e acamados. Surgiram as creches e os jardins-de-infância como forma de apoio às famílias, manteve-se a publicação regular - agora mensal - do jornal, repuseram-se os livros proibidos (e apreendidos pela polícia política) nas estantes da biblioteca, estendeu-se o ensino do 1.º ao 2.º ciclo, criou-se a Galeria João Hogan e, em 1987, a Marcha Infantil de A Voz do Operário. |